Encontros
e reencontros. Assim foi o módulo de
Danças Africanas ao meu ver! Numa sexta feira a
noite encontrei um auditório
quase lotado com muito falatório,
olhos curiosos e cheios de expectativa! Assistimos um pequeno vídeo
sobre o significado de ritmo na cultura ao longo do continente africano, sim
porque ali desvendaríamos
essa cortina européia de que a África
teria uma única cultura. As primeiras impressões
apos o vídeo revelam nossa dissociação
com essa herança em nós:
" Eles têm muito ritmo". " Lá
as crianças aprendem desde cedo". "Eles
trabalham com ritmo, com canto e dança, né
diferente da gente"... Ali nos lembramos que também
temos ritmo pra trabalhar, pra andar, pra mamar, pra ninar, pra caminhar.
Lembramos que as crianças aqui
também aprendem desde cedo a tocar tambor, a imitar
cantores e cantoras, a dançar as
danças tradicionais da nossa dita cultura popular,
maracatu, batuque, samba, funk...vendo assim que essa "África"
esse jeito de ser nem está tão
longe de nós! O encontro com a dança
revelou outras limitações:
" ai cansa, né?" Lá eles já
tem preparo", "as pessoas são
fortes, treinadas"! quase aquele lance "eles já
nascem com ritmo" ou "eu não tenho
ritmo viu?" E tantas outras ideias que vamos construindo. Reflexões
sobre o surgimento e significado das danças,
mostram trabalhadores da terra, da metalurgia, do comércio,
senhoras mais velhas, crianças,
pessoas gordas, enfim todo tipo de gente dançando a
mesma dança, cada um com seu jeito e condicionamento.
Outro vislumbre: quem codificou e disse que o canto, a música
e a dança não era
pra todos? Pra qualquer um? Dançar é
estar junto, é mudar nosso estado físico
e energético, é se
expressar, rir, é viver!!!
Entre dois feriados, nos
encontramos ali naquele teatro, compartilhamos histórias,
reflexões, pensamentos, impressões,
angústias, anseios, situações.
Durante nossos encontros um menino foi assassinado no Morro do Alemão
no Rio de Janeiro, discussões sobre
a redução da maioridade penal inundavam as redes
sociais, crianças foram barradas na escola por serem do
candomblé ou por terem cabelo no estilo black power, que atrapalha a visão
dos coleguinhas, terreiros foram queimados... E ali em meio a isso tudo, num
lugar onde as vezes taxi nem chega, atrás de uma
ocupação que virou favela, do lado das ruas onde me
criei e passei a infância, refletimos sobre nossa população
afrodescendente, sobre nossa negação até
hoje da marginalização
iniciada com o sequestro e escravidão dessa
população e o racismo e preconceito que até
hoje diminui radicalmente as oportunidades desse contingente na sociedade.
Mas como nossos antepassados também
nos ensinaram sempre há uma
maneira de resistir, sempre há uma
maneira de transformar e isso é
Sobreviver! Por isso também dançamos
o amor, a sensibilidade, a afetividade, a sexualidade que promove encontros e
gera vida! Pouco a pouco o corpo foi se permitindo vivenciar as danças,
a mente foi destravando estereótipos,
frustrações e descobrimos na roda de canto, no
compartilhamento das histórias de
amor, de conquistas, de encontros enlaçadas em
simples fios de barbantes que o fio com o passado não
se perde, que ele é nosso cordão
umbilical para nele adquirirmos esse poder de transformação
e esperança para reescrever com nossos corpos novos
passos, novas sensações. Saímos
renovados e com a certeza que andar pra frente é
encontrar o caminho de volta, a nós
mesmos, a nossa humanidade...
De volta a região
onde nasci, me criei e aprendi e admirei essas pessoas que ficaram acreditaram
e mantiveram acesa essa chama para que crianças como
eu fossem além-mar e retornassem. "Fui aprender a ler,
pra ensinar meus camaradas" com essa frase na marcante na voz de Maria
Bethânia nos despedimos na certeza de nossas
responsabilidades em aprender com outros olhos, outros corpos, outras culturas,
pra ensinar, melhor pra compartilharmos e nos tornarmos camaradas!!
Nenhum comentário:
Postar um comentário